sábado, 20 de fevereiro de 2021

Ideia atual

Roteiro e Ilustração: Marcelo Magalhães
Centelha: Vitor Vidal





Manifesto

 QUEM DISSE


Certa vez os poetas Caetano e Tom disseram:

“Há um clarão infinito que posso enxergar. De vez em quando me perco num pensamento qualquer que me devolve ao lugar. Havia um calmo mistério plantado no ar.”

Talvez por isso, a maioria define e deturpa, por capricho, seu lugar ideal  em paz consigo. Com medo de um dia ter que admitir que viu, porque assim, teria que admitir que contribuiu para a destruição coletiva e, obviamente, para a autodestruição. Saramago1 que o diga. 

Então, um “Outro”, vivo, visceral, cético, pensou: como esperar um olhar lúcido de quem vê, mas escolhe não enxergar? Pobre do outro, esse que precisa conviver com a cegueira voluntária e desesperada daqueles que se recusam a admitir a acuidade visual. Dependeríamos da capacidade, além da acuidade, e rejeitaríamos, tão somente, o presente e, assim, proferiríamos o futuro, vendo vantagem na mesma morte, a qual se faz por natureza justa, fechando os olhos que choram, lacrando a boca que ri; hão de cair. Assis2 lhes cravaria o próprio Machado, reivindicando o verdadeiro protagonismo para desvincular isso do hoje. Afinal ser póstumo é muito diferente de ser Thanos.

Estamos no fiásco da organização socialainda assim, Fiódor3 diria, sem hesitar, que deveríamos nos esforçar mais, no sacrifício do certo consensual, esperar por Nastenka, mesmo tendo encontrado o amor suavizador da inebriante busca pela satisfação carnal e pela paz espiritual. Quando alguém dissesse: Preciso de mais? Shakespeare4 diria: sabes o que é ser Romeu? 

Seríamos o Super Homem, que corre por verdes campos... capaz de sentir todo o seu esplendor; o “fantasma que corre diante de vós, é mais belo que vós. Por que lhe não dais a vossa carne e os vossos ossos? Mas tende-lhes medo e fugis à procura do vosso próximo”, que me perdoe Friedrich5 por tanta ousadia, diante de um cenário tão sombrio e turvo, no qual até mesmo Steinbeck6 fugiria para o leste em busca de uma salvação, ou não... talvez fosse até o Éden, por puro devaneio. Quem sabe assim, ficaria mais fácil lutar contra  moinhos de vento, como se fossem monstros e dragões, tenho certeza de que Cervantes7 concordaria.

Evoco nesse instante, Paul Thomas Anderson8 sob a indagação: Quem não mora na rua Magnólia, deve esperar por uma chuva de sapos? Todavia, diante do exposto rememoro o motejador Geraldo Viramundo,9 agora como alguém autorizado a criar um composé ideal para o ambiente atual, haja vista que é, talvez, o único capaz de cumprir, literalmente, o que se pratica na bruta realidade em que vivemos: ele pode fazer chover bosta! Como diria Galder Gaztelu-Urrutia,10 “existem os de cima, os de baixo e os que caem.”

 

Notas: 1 - Livro: Ensaio sobre a cegueira de José Saramago; 2 - Livro: Memórias póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis; 3 - Livro: Noites brancas de Fiódor Dostoiévski; 4 Livro: Romeu e Julieta de Wiliam Shakespeare5 - Livro: Assim falou Zaratustra de Friedrich Nietzsche; 6 - Livros: As vinhas da ira e a leste do Éden de John Steinbeck; 7 - Livro: Don Quixote de la Mancha de Miguel de Cervantes; 8 - Filme: Magnólia de Paul Thomas Anderson; 9 Livro: O grande mentecapto de Fernando Sabino; 10 - Filme: O poço de Galder Gaztelu-Urrutia.